domingo, 21 de dezembro de 2014

Serva de Deus Louise de Ballon

Louise de Ballon (1591-1668), “a mística da simplicidade”




A fecundidade de um carisma, como cisterciense, nunca deixa de se manifestar, durante o tempo. Sempre dá frutos abundantes a Vinha do Senhor, a Santa Igreja. O tempo das reformas, dos descalços e recoletos, não se restringiu as Ordem mendicantes, nem ao surgimento de novas modalidades de vida consagrada. O período da Reforma Católica, seguido ao Concílio de Trento, foi uma invasão de santos e místicos. Um dos autores espirituais mais importantes da Igreja é, sem dúvida, São Francisco de Sales, bispo de Genebra, fundadora da Ordem da Visitação de Santa Maria, e Doutor da Igreja. Sua parenta, sua amiga, sua filha espiritual, Louise Blanche  de Ballon, com seu auxílio iniciará uma reforma cisterciense, que terá grandes proporções – chegará a ter trinta mosteiros até o tempo da Revolução – conta ainda hoje com dois Mosteiros, na Suíça. Aqui, queremos fazer apresentar esta reformadora cisterciense, fundadora das Bernardines da Suíça, e sua mística da simplicidade. Ainda que seja sensível a influência salesiana em seus escritos, sem nenhuma dúvida sua formação espiritual é bernardiana. São Bernardo é sentido em todos seus escritos, somente em estilo diferente. Filha de São Bernardo, Esposa do Crucificado. “A vida crucificada é verdadeira vida das Filhas de São Bernardo[1]”(214) dirá as suas irmãs.

Mística da Simplicidade

O distintivo de sua espiritualidade, e do caminho que apresente a suas filhas, dentro da mística cisterciense, é propriamente o caminho da simplicidade. A simplicidade é a sua reforma. No seu Tratado da Simplicidade Religiosa, dedicado “a São Bento e São Bernardo, meus gloriosos pais” (52), ela exclama: “Meu Deus, que a simplicidade arranque esta multiplicidade em nosso espírito! Ela é como um abismo onde se perde e se aniquila tudo o que não é Deus em nós. Deve somente se abandonar e deixar que Deus faça. Pois ele mudará este abismo em um abismo de graças” (55)

Humildade

A humildade é fundamento da espiritualidade beneditina, é o verdadeiro caminho beneditino, a Escada de São Bento à Caridade, como ele mostra em sua Regra. E com certeza, está no centro da espiritualidade de São Bernardo, como mostra o seu Tratado sobre os graus da humildade e soberba.
A Madre Ballon recebeu inúmeras graças e luzes sobre a virtude da humildade, que não se pode desassociar da simplicidade. Ela mesmo conta sobre uma destas graças: “Um dia de São Francisco de Assis, tive um conhecimento particular da eminente humildade que deve ser praticada nesta terra. Eu vi ter que ser fundada só sobre o nosso nada todo o edifício espiritual” (176). Assim, ela recomendará a suas filhas: “Não é, minha Filha, um segredo pequeno para a perfeição, não ignorar, e nunca esquecer o pouco que nós somos. Que nós não somos senão um verdadeiro nada, no máximo, um terreno que não produz no seu interior senão espinhos. Entretanto, crede firmemente, que se permaneceis bem fundo neste verdadeiro conhecimento, Deus se servirá destes mesmos espinhos para fazer nascer rosas. Um ato de simplicidade que fazeis para impedir um mau pensamento, será uma rosa aos olhos da Divina Majestade. Um ato de despojamento de vossa vontade ou de vosso juízo, é o que faz florescer uma rosa entre os espinhos. De maneira, que ouso dizer que não haveria tantas rosas em nosso jardim, eu entendo, em nós mesmas, se primeiramente não houvesse tantos espinhos.” (p.8-9)

Solidão

Não é a solidão que levou tantas almas ao deserto? O mesmo desejo de solidão fecunda, para o Diálogo com Deus, continua atraindo as almas para os claustros. A Vida monástica é sempre atual. Porque Deus continua chamando, Cristo Senhor Nosso, “o meu Solitário”, como chamava Madre Ballon, está lá. A vida monástica é experiência de solidão cheia do Amor de Cristo. Assim Ela se dirige ao Esposo Divino em Retiro: “Meu Senhor Jesus Cristo,  meu amável Solitário, não somente durante meu retiro, mas até minha morte, em consideração por meus pecados, sejas tu meu Solitário. Eu não sei onde estou, da extrema confusão que tenho. Moisés, só por uma pequena dúvida não entrou na Terra prometida. Os Santos, antes que cometer o menor pecado venial, prefeririam cair no inferno. Ah! Onde estou, eu, eu que tão facilmente e tão freqüentemente caio nestas faltas? Meu principal remédio é não perder de vista meu divino Solitário. Ele me perdoará e me corrigirá. Me entreterei com sua humildade e sua paixão. Ele muitas vezes me faz conhecer  que esse abaixamento é o que lhe é mais agradável. Ele se entregou a nós, até o fim do mundo, aniquilado no Santo Sacramento do Altar. Pois aquele que tanto nos amou e praticou este abaixamento em nosso favor, para que nós amamos e o pratiquemos nós também, por amor dele; por nós, que no fundo, não somos senão um puro nada diante dele?”(173)

José Eduardo Câmara de Barros Carneiro





[1] Diante de cada citação, aparece a página citada, de seus escritos editados pelo Rev. Padre Jean Grossi, do Oratório Francês. Em: Oeuvres de piété de la Vénerable Mére Louise Blanche de Ballon. Paris. 1700.

Serva de Deus Madre Milagres

Serva de Deus Madre Evangelista

Venerável Benedita Frey

Irmã Maria Benedetta Frey
Monja Cisterciense de Viterbo, na Itália

Venerável em 30 de setembro de 2015






EM UM LONGO CALVÁRIO
A PROVA DA ACEITAÇÃO CRISTÃ DA DOR



Na tarde de 10 de maio de 1913 morria no mosteiro da “Duchesse” em Viterbo (próximo a porta S. Pietro, na frente da escola) Irmã Maria Benedetta Frey, monja cisterciense, depois de 52 anos de enfermidade, imobilizada em leito de dor. Confia sua despedida ao testamento escrito que diz assim:

 “na longa missão que o Senhor me confiou, sempre admirável em suas disposições, busquei fazer o bem a todos. Não importa o doce purgatório que sofri na terra, foi tão breve, tão aliviado por vossas visitas, tão alegre por ver-vos sair consolados de junto da minha caminha; amei sempre a todos e do céu sempre vos amarei”.

Ersilia Penelope (nome di Batismo) nasceu em Roma, no dia 06 de março de 1836, de Luigi e Maria Giannotti. Foi batizada na paróquia de Sant´Andrea delle Fratte. Uma infância como outras, dividida entre os estudos e o hobby pela música e pelo canto, talentos naturais que utilizou com frutos. À formação cultural foi associada aquela religiosa, já fazendo prever sinais da vocação a vida de clausura. Com tenacidade defendia sua vocação, disse a sua mãe: “O mosteiro que deverá me acolher não escolherei aqui em Roma, porque monja de cidade é monja pela metade”.
Aconselhou-se com seu diretor espiritual, o camiliano Padre Trambusti, que a endereçou a Viterbo, ao Mosteiro da Visitação, chamado “della Duchessa”. Tomou o hábito monástico tomando o nome de Irmã Maria Benedetta Frey. Em 02 de julho de 1858 se consagrou solenemente por toda a vida nas mãos do Cardeal Pianetti, bispo de Viterbo.

 No mês de novembro de 1861, o Senhor bateu na porta de seu coração. Era a loucura da Cruz que docemente e fortemente aparecia na sua vida aos 25 anos. Sofreu uma paralisia em toda a parte direita do corpo, incidindo sobre a espinha dorsal. Assim é o quadro clínico tirado dos atos do processo canônico: “Não podia repousar a cabeça sobre seus travesseiros por causa das dores agudas, nem a podia tê-la erguida, porque ela caia inerte sobre o peito, com o risco de sufocamento, por isso ela devia sustentar a fronte com cordas e ataduras. A tudo isto se juntaram, os inevitáveis males causados pela longa permanência no leito, feridas por decúbito, bronquites e pneumonia”.

O mal físico foi completado por aquele moral, por não sentir-se útil a comunidade. Atinge o estado de completa uniformidade com a vontade de Deus e de perfeita tranqüilidade de espírito, meios que lhe permitiram exercitar a paciência, a humildade e a obediência. Freqüentemente dizia: “Em tudo seja feita a Santíssima Vontade de Deus, que tudo permite para nosso bem espiritual”. A fama de suas virtudes, tidas como heróicas de quem se aproximava dela, ultrapassou os muros do mosteiro. Tinha aprendido a viver com a enfermidade, pelo qual era vista serena mesmo se sofrendo, amável e forte mesmo se fraca e tomada de males. Não queria ficar sem trabalhar e com a única mão livre, usando os dentes, confeccionava flores artificiais e fazia bordados.

De fato, a Condessa Tarquini dizia: “Era tão serena e preocupada em aliviar os outros, que parece que sofria seus problemas como próprios”. Dizia São João Bosco: “Aquela monja enferma de Viterbo se porta com paciência em sua enfermidade, porque será um grande bem para sua alma e uma grande vantagem para a comunidade e para as almas”. Aonde não chegava com a palavra, chegava por escrito. Escrevia a diversas pessoas de diversos níveis sociais. Foram recolhidas em torno de 360 cartas.




A fama da monja enferma tinha cruzado as portas do mosteiro, até chegar a Itália e a Europa. À pedido do bispo, o Papa Pio IX concedeu que se celebrasse a Santa Missa na cela da serva de Deus. O altar foi preparado diante do leito, tendo em cima a estátua do Menino Jesus. Ali foram administrados sacramentos do Batismo e da Crisma e mesmo uma ordenação sacerdotal foi conferida ao camiliano Padre Isaia Francucci, em 05 de dezembro de 1909. Depois, a primeira comunhão de muitas crianças.
O Santo Padre, a quem nutria filial obediência, sacerdotes, seminaristas, todos ela recomendava ao Menino Jesus.
Foi enriquecida por Deus com dons de profecia, de cura, de discernimento dos espíritos. O apostolado da monja era dirigido aos pecadores, incrédulos, e para as famílias em crise. À Irmã Maria Benedetta se dirigiam personagens ilustres da igreja e da nobreza como o Cardeal Merry del Val, La Fontaine, Nascimbeni, Bartolo Longo, Mons. Bressan (secretário di Pio X), São Luís Orione, com o qual nascerá uma particular e profunda amizade.
No aniversario de 50 anos de sua enfermidade, em 10 de novembro de 1911, o Papa Pio X, com escrito autógrafo fez chegar a ela sua gratidão, sua estima e benção. Dois anos após o jubileu da enfermidade, em 10 de maio de 1913, às 17:00 horas podia deixar seu leito de dor; dos 77 anos de sua vida, 52 tinha levado na cama.
Nos funerais, tomaram parte toda a cidade e foi exposta por três dias, e depois sepultada no cemitério de Viterbo. Em 10 de dezembro de 1927, o corpo da Serva de Deus foi transladado do cemitério municipal ao mosteiro “della Duchessa” e foi deposto na capelinha do Menino Jesus. A transladação ocorreu de noite e privadamente com a permissão do Ordinário Diocesano. A fama de santidade foi crescendo após sua morte e foi confirmada por graças e prodígios obtidos por sua intercessão.
Irmã Benedetta jamais se lamentava, esta sempre com ótimo humor, ria e confortava os outros;  não fazia pedidos, de fato procurava não incomodas as enfermeiras. Assim dizia a “Monja Santa” ( assim as pessoas a chamavam): “Sinto mais vivamente as tribulações dos outros que toda a minha enfermidade e imobilidade de tantos anos, por isso queria ter mais males e sofrer eu mesmo que vê-los tão atribulados”.
O processo ordinário informativo junto a cúria diocesana começou em 27 de dezembro de 1959 e foi concluído em 03 de novembro de 1963. Com a esperança que povo de Deus conheça esta profunda personalidade e se beneficie do exemplo de Irmã Benedetta, de como através do sofrimento, nos elevamos a Deus, cumprindo um caminho de santidade.

  A Congregação para a Causa dos Santos promulgou o decreto de heroicidade de suas virtudes no dia 30 de setembro de 2015. 

Autor: Don Gianluca Scrimieri
Tradução: José Eduardo Câmara de Barros Carneiro



Irmã Maria Benedita nos últimos dias de sua vida 

Cela da Irmã Maria Benedita

Padre Postulador da Causa de Irmã Maria Benedita, entregando ao
 Santo Padre a Biografia da  Venerável



Serva de Deus Maria Imaculada

As três Idas - Servas de Deus

Venerável Verônica Laparelli

A VENERÁVEL VERÔNICA LAPARELLI, MULHER AUTÊNTICA E AUTÊNTICA CISTERCIENSE



 O tema que me foi atribuído é fascinante, mas também muito simples. Trata-se de esboçar o perfil extraordinariamente feminino e o caráter plenamente cisterciense da Venerável Verônica Laparelli, neste dia da MULHER e nesta comemoração anual da morte desta vossa grande e santa conterrânea.
O farei muito simplesmente, como mulher e monja cisterciense, portanto baseando-me em uma experiência de vida, deixado aos especialistas a tarefa de enquadrar os acontecimentos do Mosteiro da Santíssima Trindade e a figura da Venerável Verônica, no contexto da história cortonese. 
Como mulher e monja cisterciense posso vos dizer com toda sinceridade que Verônica sempre me fascinou. Constatei também que este fascínio é amplamente percebido por muitos monges e monjas cistercienses que conhecem e amam Verônica. Fazendo os cursos de história e espiritualidade cisterciense em alguns mosteiros da América Latina e da Ásia, para ilustrar o movimento de reforma iniciado no século XVI, sempre apresentei como modelo a figura da Venerável, dando-me conta que já era uma irmã que conheciam, apreciavam e invocavam. Aqueles que ouviam falar dela pela primeira vez, ficavam logo conquistados e me falavam da atração que tinha exercitado sobre eles esta monja tão profundamente humana, de caráter tão quente e solar, e do espírito tão espontaneamente cisterciense.
Em um artigo que escrevi há muitos anos, afirmava que o carisma cisterciense, apesar de ir assumindo acentos e tons diversos conforme os tempos e lugares, se podia reconhecer facilmente em uma comunidade e em uma pessoa que o vivem integralmente, por causa de sua particular tonalidade evangélica, ao mesmo tempo terna e robusta. Assim, Verônica é uma destas pessoas em que o carisma de Citeaux resplandece de modo magnífico.
Os elementos fundamentais da espiritualidade cisterciense não são difíceis de discernir e os encontraremos gradualmente no curso das exemplificações que proporei, tomadas da vida de Verônica.
A espiritualidade cisterciense se pode resumir assim: Na escola do serviço divino, que é o mosteiro, sob a guia do Evangelho, seguindo a Regra de São Bento, que é defendida tenazmente nas suas observações, mas é sempre próxima a toda a Bíblia e em particular o Cântico dos Cânticos, o discípulo aprende:
1 – A conhecer o homem, a si mesmo e ao próximo, isto é, o homem concreto, mas capaz de novamente dirigir-se a Deus. A espiritualidade cisterciense é, neste sentido, fundamentalmente otimista; o homem perdeu sua semelhança, mas pela natureza que lhe é própria, ele é e permanece imagem de Deus e é chamado a restabelecer a semelhança com aquela Imagem perfeita que é o Verbo Encarnado. A perda da semelhança vem reconhecida, sobretudo na desvio das faculdades do amor, que deve voltar-se novamente ao Bem supremo. O amor deve ser reordenado, isto é, colocado em ordem: Deus no primeiro posto e depois nós mesmos e o próximo. Devemos aprender de novo a nos tornar filhos de Deus e irmãos entre nós, amando retamente também nós mesmos.
2- O caminho da região da dessemelhança àquela da semelhança acontece através da ascese, a fatiga da subida, dado que estamos mergulhados no abismo do amor desordenado a nós mesmos. Com a renúncia e o desapego, o homem aprende a deixar o mundo (exterior e interior) para "habitare secum", arrepender-se e converter-se. Deverá abrir-se a Deus para receber como dom, para desenvolver as virtudes teologais e monásticas, para tornar-se conforme a Jesus, seu único Senhor, Via, Verdade e Vida.
3 – O retorno a Deus, que se realiza no quadro da história da salvação, se realiza essencialmente mediante o mistério da Encarnação, que não pode senão que ocupar o posto central.
- A humanidade de Cristo é venerada como sacramento da presença de Deus.
- Cristo é o único mediador entre Deus e o homem (e Maria participa desta mesma meditação, porque estritamente ligada ao mistério de seu Filho).
-Cristo é o modelo (o exemplum): ele somente pode restaurar a semelhança original, mas este implica, da parte do homem, uma imitação das suas virtudes.
4- A experiência de Deus ocorre aqui, sobre a terra, no claustro, e é ligada a caridade, ao amor ordenado: os escritores cistercienses do século XII e XIII o descrevem como visão, união espiritual, paz e repouso em Deus, sábado, júbilo e contemplação. O realismo cisterciense sugere que o âmbito em que se constrói e se começa a experimentar, em todas as dimensões, a eternidade beata é a vida presente. O paraíso verdadeiro (não aquela artificial e fictício proposto pelo relativismo moderno e pela publicidade), o paraíso da alma amante, ou se inicia a conhecê-lo, a amá-lo e experimentá-lo aqui na terra, ou não se o conhecerá jamais. Recordamos a célebre síntese de São Bernardo no sermão 96, De diversis: “Pro paradiso quem perdidimus, restitutus est nobis Christus Salvator”, “No lugar do paraíso que perdemos, foi restituído Cristo Salvador”. 
Portanto:
- Em uma participação ativa da liturgia.
- Na Lectio divina, concebida como diálogo de amor com Deus.
- Na comunhão fraterna da comunidade – Igreja, Corpo de Cristo.
- No duro trabalho que permite manter-se e socorrer os pobres, percorrendo a via da obediência e da humildade, a monja encontra a semelhança perdida que tem uma única face: aquela de Cristo.
Como se pode notar, o programa de vida cisterciense é simplíssimo e global: abraça toda a história da salvação – a criação e a redenção -, a vida presente e a futura, a alma e o corpo, a dimensão pessoal e comunitária, a mente e o corpo, o todo unificado na Pessoa divina do Homem Cristo Jesus.
Vejamos agora como este simples e exigentíssimo programa de vida foi vivido – com traços extraordinariamente femininos – por nossa Verônica.
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Todos conhecem o episódio da menina de 5 anos que se afeiçoa a um pintinho, que depois morre e que ela o reencontra corrompido e cheio de vermes. Paramos um pouco, porque isto, que poderia parecer uma anedota infantil sem importância, explica e sintetiza toda a vida de nossa Venerável. Verônica menina se encontra de modo inesperado e violento fazendo a experiência da caducidade da vida. É uma experiência basilar e salutar, que todos os seres humanos fazem, mais cedo ou mais tarde, ainda se não – como Verônica – a uma idade tão tenra. Esta experiência, sempre dramática, tem diversos fins, segundo como se a afronta, pode conduzir ao abandono confiante ou a desesperação, a indiferença cínica ou ao hedonismo (“ comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”) ou a resignação estóica.
Contemporaneamente a constatação, em todo caso amarga, da presença amarga da morte no mundo, há – para Verônica como para todos – uma outra experiência fundamental: a descoberta do desejo. Aquilo que amo ( a mim mesmo ou a um outro) não pode morrer, não quero que morra, deve durar sempre, porque se morre destrói a felicidade a que aspiro. Este desejo irreprimível e aparentemente ilógico é descrito por S. Agostinho como inquietude: “ Fecisti nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum…”.  Há em nós uma aspiração a amar e a ser felizes que transcende nossa limitação e nossa caducidade; desejamos algo que a nossa natureza mortal não está em grau de satisfazer. Também de frente a este desejo de absoluto e de eterno, as reações podem ser diversas: pode ser o crédito que se dá a revelação, enquanto razoável, isto é, que não contradiz a razão, mas a ilumina o que lhe supera, ou a “fé” em uma ideologia, como o marxismo, o nazismo, o humanismo positivista, a ciência, a técnica, etc. A sede de um sentido global, a sede da verdade ( qualquer ela seja ou onde quer que se encontre) é de tal modo radicada no coração do homem que prescindir dela comprometeria a existência. A busca da verdade é uma exigência inerente a cada pessoa que queria chegar a dar uma resposta as perguntas fundamentas que tocam o sentido da vida. O relativismo moderno, que nega a existência da verdade absoluta e, portanto uma lei moral universal, é também esse uma “fé” baseada sobre uma visão pessimista do homem e da história.  Pode acontecer, porém – e é um fenômeno doloroso e preocupante de nossa época- também a remoção deste desejo de absoluto e de sentido ou sua diminuição resignada. Hoje, sobretudo muitos jovens, confusos e desiludidos, se satisfazem com aquele pouquíssimo gozo passageiro oferecido pelo sexo, pelo sucesso ou pior, pela droga, o álcool e as transgressões de toda espécie. Não se colocam mais ou evitam colocar perguntas, as quais sabem por experiência que serão dadas respostas contraditórias ou mentirosas. Sentem, portanto que é inútil perguntar-se o porquê, mas satisfazem os seus desejos curtos ou o removem totalmente, sem darem uma razão, para poder gozar sem entusiasme daquele pouco prazer que pode oferecer uma existência humana, cujo escopo permanece obscuro ou insensato. A experiência, porém ensina que é pelo menos arriscado confundir o prazer ou a emoção com a “alegria” verdadeira e que o nosso coração não chega a se satisfazer de tão pouco... Prova disto é a geral insatisfação que reina nas nossas sociedades saciadas e desesperadas, ou pelo menos riquíssimas de estímulos, mas privadas de verdadeiro significado.
Aos cinco anos, também Verônica se torna consciente que, como todos, é feita para amar e para ser feliz; para amar sempre e ser amada sempre e que nisto consiste a sua alegria. Dá-se conta, porém que o ser amado pode morrer, e de fato, morre. Esta pequena filósofa de cinco anos não se satisfaz, não arrasta o problema, não encurta ou remove o seu desejo, não resigna: quer um amor infinito e eterno, compreende que somente aquele amor pode saciar seu coração. Então se torna teóloga: “As coisas da terra acabam, portanto eu não posso amá-las com toda mim mesma; Deus é o único bem que não morre e portanto amarei a Ele e todo o resto n´Ele”. “Fecisti nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te”. 
O antigo biógrafo diz que Verônica manteve esta resolução infantil até a morte. Quando, antes de morrer, foi lhe concedido lucrar o jubileu, durante a Missa, no momento da elevação da Hóstia e do Cálice, foi ouvida repetir em voz baixa por três vezes: “Senhor, se é para a salvação da minha alma, e se vos agrada, atrai-me a vós”.  Toda sua longa existência foi expressão daquele desejo que encontrará plena satisfação e repouso definitivo somente em Deus, em um abandonado confiante a Sua sabedoria e a Sua vontade.
Mas sigamos em frente: a pequena Verônica, portanto tinha individuado o seu objetivo (Deus) e a direção (a vida eterna), mas precisava percorrer a estrada para chegar até a meta, precisava fazer a saída, fatigar na ascese.  As biografias dizem que a menina, e depois adolescente, se dá com ardor a oração, a penitência, ao jejum, as disciplinas e purifica a sua alma dos seus defeitos com a confissão freqüente. Uma vez reconhecida a imagem divina a que dar todo seu amor, ela deve recuperar a semelhança, aprendendo a conhecer a si mesmo e aquilo que nela deve ser modificado. Os de sua casa, avisados pelos empregados, buscam distraí-la deste tipo de vida não adaptado a sua condição e sua juventude, com o único resultado que Verônica se torna mais sagaz e prudente, evitando que os outros percebam as manifestações de seu amor secreto.
A menininha cresce e não muda seu propósito, ao invés disto se orienta para a vida monástica, escolhendo o mosteiro cisterciense da Santíssima Trindade, de recente fundação e muito fervoroso. Quando se decide a falar com os pais da sua vocação, as reações dos nobres Lapparelli, que igualmente esperavam esta revelação,  é óbvia: ‘Não é possível, não é conveniente, é um capricho (colpo di testa) de quem tem tudo, não temos dado nenhum desgosto...”. Verônica sempre se demonstrou uma filha obediente, dócil, respeitosa. Compreende que convém esperar e confiar em Deus, que obra mudanças impensadas nos corações dos homens. De resto, ama demais seus pais para rebelar-se a eles abertamente, também porque uma fuga ou uma resistência direta não lhe convinha: o mosteiro escolhido é na mesma Cortona, onde a família reside e é muito conhecida; é preciso evitar rupturas e escândalos; os pais, que são cristãos piedosos, tem somente necessidade de tempo e acabaram por ceder... Verônica é dotada de um sólido bom senso e de um equilíbrio que se manifestaram durante toda a sua vida, e embora multiplicando as súplicas e as penitências para alcançar seu objetivo, espera... O tempo lhe dá plenamente razão: “Vendo os pais de Verônica que a filha já tinha chegado a uma idade para escolher seu estado (de vida), nem se poderia esperar que às núpcias terrenas jamais daria seu consentimento; por outro lado a sua firmeza em seu primeiro propósito, e o santo teor de vida sem eventos de relaxamento ou diminuição de fervor mostrando bem claro, não era da veleidade juvenil a mover seus pedidos, mas da soberana virtude, estimaram não deverem nem poderem mais longamente, pelas leis da piedade e religião, opor-se aos seus desígnios. Por isso, e para não ter mais no coração que ver em tanta aflição a filha, consentiram finalmente, com suma repugnância de seu animo, o suspirado consenso” (F. Salvatori, Vita, II ed.,  Roma 1779, p. 13).
Também ao casal Lapparelli não faltavam ao discernimento e um sólido realismo. Certamente se disseram: ‘ Esta filha já tem 23 anos. A conhecemos: jamais consentirá a se esposar e de resto não queremos forçá-la. Sabemos que a sua piedade e a sua virtude são sólidas, porque o demonstrou amplamente. É verdade que para nós será doloroso separar-nos dela, mas queremos verdadeiramente que permaneça em casa como solteirona, obedecendo, sofrendo e calando? Digamos que sim e que se vá com a nossa benção!’
Verônica entra no mosteiro em 11 de novembro de 1560. A deliciosa descrição do ingresso, feito pela Abadessa Crotonesi, pinta para nós o seu caráter: não é uma beata (santarellina) composta e contrita, mas uma mulher apaixonada e de caráter daquela que abandona o mundo. É sensata, se preparou com uma dura vida ascética, soube esperar, mas agora que alcançou o Amado, pode dar liberdade aquilo que sente: vestida de branco como uma esposa, adornada de jóias, circundada pelos parentes e amigos, conduzido a casa d´Aquele que ama, não lhe importa fazer rir a todos com o seu ardor. Fora as jóias, fora as vestes, fora tudo... ”Enquanto elas dizia estas palavras de renunciar a vaidade, arrancava as pérola, tirava os colares, os enfeites no pescoço, que tinha vestido, e melhor dizendo os arrancava de maneira que todos os presentes foram levados a rir, não sabendo a causa de tal novidade. As monjas também não se podiam conter de rir...” (Margherita Cortonesi - Vita manoscritta). Só quem conhece o poder de um grande amor pode se dar plenamente conta da profundidade daquele verbo utilizado pela abadessa escritora: “arrancava”.  Verônica arrancava os ornamentos que a tornavam bela para poder se revestir da beleza de seu Amado.
Permiti-me um parêntesis, antes de continuar com os exemplos tirados da vida de Verônica. Havendo ouvido alguma coisa dela pela leitura em público dos nossos Menológios monásticos, eu a conheci verdadeiramente quando, em 1987, um monge da abadia de Gethsemani, nos Estados unidos, o Padre Crisogono Wadell, co-irmão do célebre Thomas Merton e grande experto de hagiografia cisterciense, nos falou dela longamente em uma sessão ocorrida no meu mosteiro. Recordo como se fossa agora as palavras com que ela foi apresentada: “Quero vos falar de uma mulher verdadeiramente incrível, uma pessoa muito vivaz, uma mulher... segundo o meu coração: uma monja cisterciense de Cortona...”.  Verônica é, sob todos os aspectos, uma pessoas que fascina... Obediente e livre, paupérrima e grande senhora, com os pés bem plantados na terra e a mente e o coração no céu, dotada de um solidíssimo bom senso e louca com as loucuras de amor. Já vimos que, na sua família natural, fui uma filha amorosa, submissa e respeitosa.
Veremos, embora de modo sucinto, que também no mosteiro realizou totalmente a sua vocação feminina de irmã, esposa e mãe.
A regra de São Bento proscreve severamente o vício da propriedade e afirma que o monge não é mais patrão nem mesmo do próprio corpo, mas no século XVI, por diversas causas também legítimas que não estaremos analisando, no ambiente monástico da Itália, Espanha e França se observam costumes e tradições já inveteradas que contradiziam o texto e o espírito da Regra. Também as monjas de Cortona, muito pobres, buscavam prover individualmente às suas necessidades com pequenos trabalhos, dependiam ainda muito das respectivas famílias para a alimentação, as roupas e outras necessidades. Cada uma tomava o alimento na sua cela particular e comiam em comum somente nos dias de festa.
Demos a palavra a sua Abadessa, que foi sua primeira biógrafa: “Depois de sua vestição por nós, lhe foi consignado parte de sua doação (isto é dos dons recebidos pelos parentes e amigos) para seu uso, como se costuma conceder a todas as outras. Tal coisa também aceitou benignamente. Em pouco espaço de tempo se arrependeu destas suas comodidades, parecendo-lhe ser demais livre. Molestava-me dia e noite que eu devia tomar estas coisas para o mosteiro, que ela desejava observar sua regra inteiramente, e não queria coisa nenhuma, embora não faltasse por sua liberdade, tanto me foi molesta e tão bem soube alegar suas razões sobre o voto, que eu fui forçada a consentir, ao colocar primeiramente quanto ela sofreria pela pobreza do mosteiro como de verdade sofreu. Foram tantas palavras que ela usou para conseguir seu intento... Privou-se de tudo o que tinha, colocando-se toda em Deus sob obediência. Depois me levou um dinheiro, o quais lhe tinham ficado, mas que não se tinha percebido, e por fim, foi o princípio e verdadeiro fundamento de sua vida exemplar, isto é, que jamais quis nada de próprio” .
Sabemos que venderá um olival, herdado da mãe, para colocar o dinheiro a disposição da comunidade e dos pobres. Trabalhará para se manter, utilizará os hábitos das co-irmãs defuntas ou usados por outras, se contentará com todas as coisas mais grosseiras. Receber-se-á presentes em dinheiro ou outro da sua nobre parentela, logo o consignará para uso do mosteiro.
Portanto, além da alegria evangélica do desprendido, encontramos a jovem monja uma outra graça cisterciense: um seguro intuito comunitário, que a empurra a romper com as hábitos do ambiente monástico da época em termos de pobreza.
Fidelíssima ao coro e as observações monásticas, não faltava jamais aos atos comuns, mas se mostrava relutante a participar as recriações e aos inocentes festividades que estavam em uso no mosteiro durante o carnaval. Andava ao parlatório somente se obrigada pela obediência. Como verdadeira cisterciense, reclamava para si o privilégio de servir, era sempre disposta a servir as enfermas, ao serviço da mesa e aos trabalhos mais humildes.
Vejamos como o biógrafo Salvatori descreve uma outra graça cisterciense, que testemunha não só a obediência e humildade de Verônica, mas também sua extrema retidão: “Não somente a quem verdadeiramente sustentava no mosteiro grau de superioridade ela se mostrava obediente, mas até as companheiras iguais e menores em grau e em idade, e as conversas, amando ceder a todas, e todas reconhecendo por maiores. De modo que qualquer coisa lhe pedissem ou mostrassem desejo, ela tomava como uma ordem, e a executava imediatamente.
Então somente vestia a serva de Deus com certo ar de superioridade com as outras, quando a própria virtude da obediência a levava a fazê-lo;  e se alguma vez  ouvisse que tivessem murmurado de qualquer superiora, ou se tivessem sido lentas em seguir as ordens. Então, Verônica as repreendia docemente, e exagerando com eficácia do discurso sobre o quanto desagradam a Deus faltas iguais e o grande mérito da obediência, as animava com palavras e muito mais com o exemplo à perfeição daquela. ” (F. M. Salvatori, II ed., pp. 28-29).
Uma outra deliciosa descrição da nobreza de seu caráter encontramos só algumas páginas depois: “ Se alguma vez, alguma fizesse menção da nobreza e da grandeza de sua família, ou por outro título de ação virtuosa a louvasse, ela logo corava modestamente a face, e buscava mudar discretamente o discurso. E  quem disso não tivesse se beneficiado, se desprezava no final e se irava santamente com quem lhe fazia louvores inoportunos, e pregava o oposto com sumo calor contra si mesma, pintando-se com tal sentimento de espírito e com tão vivas cores como a mais inepta e mais defeituosa de todas, que por compaixão se calavam no final as Irmãs, e mostravam render-se ao que ela dissesse, de modo que se tornou um dito comum no Mosteiro, que para ofender a Irmã Verônica e vê-la irada, bastava louvá-la. Assim como, ao contrário, que lhe falasse de um modo um tanto impróprio ou em outra maneira tivesse mostrado pouca estima por ela, estava segura de ser ela mesma tida por sua mais verdadeira amiga, por sua preferida; dizendo que aquela ao menos não enganava, como as outras, mas a tratava como merecia, e procurava iluminá-la em sua grande cegueira” (Op. cit. pp. 33-34). 
Verônica é nobre no verdadeiro sentido da palavra, porque sabe que a verdadeira e única nobreza é a virtude; tendo-se dela desprovida, eis que se indigna, se ira com os que a louvam, pregava contra que lhe celebrava as virtudes, prefere que a têm por pouco importância , porque ao menos estes não a enganam. Nada mais simpático que esta monja tão genuína, irritada, indignada, irada se a louva, porque estão mentindo, dado que não é verdade que ela tenha as virtudes que lhe vêm atribuídas.
Temos visto até agora que Verônica se insere espontaneamente no grande quatro teológico da espiritualidade cristã, na modalidade cisterciense: criada por Deus, para viver d´Ele, que é a Amor e Bem Infinito, se reconhece caída, distante dele, pecadora, necessitada de ascese. Mas este retorno a Deus se realiza essencialmente em Cristo, mediante o mistério da sua Encarnação.
Como as místicas cistercienses do século XIII, de quem é herdeira, também Verônica é caracterizada por um amor vivíssima pela humanidade de Cristo. Na sua, como nas “Vitae” das monjas do Brabante belga ou de Helfta, há visões e fenômenos sobrenaturais em que a pessoa de Jesus tem uma parte grandíssima. Com uma diferença, embora Ida de Nivelles e Ida de Louvain tenham tido uma devoção grandíssima pela infância do Salvador, em geral para as místicas flamengas e alemãs não é tanto a visão de Jesus menino que as atrai, quanto o Cristo da paixão. Conseqüentemente há nelas uma profunda tristeza, um agudo desejo de participar dos sofrimentos do Redentor, uma confiança imensa nos méritos da Cruz e das chagas do Crucificado. Verônica, italiana, de temperamento mais simples e solar, ama apaixonadamente Jesus crucificado, se une a sua paixão, jejua e sofre por Ele e com Ele, mas mais atraída pelo mistério do Natal e da infância e encontra todas as suas delícias na Eucaristia, chegando até, durante as suas freqüentes enfermidades, a pedir a saúde para poder comungar. Tudo isto é confirmado pela sua Abadessa que escreve: “A vimos muitas vezes enferma de grande enfermidade, de cama e não podia se mover se não quando era ajudada, e porque ela, seja enferma seja sã, não queria jamais conforto nenhum. Se o médico ordenava remédios, frango ou outros confortos próprios dos enfermos, ela logo via estes preparativos se levantava do leito sem mal algum. O que era de grande maravilha para todos.  Por isso, o confessor lhe perguntou o porquê, e foi forçada a dizer-lhe que não tinha comido carne por causa do jejum e para não privar-se do Santíssimo Sacramento. Logo que pedia ao doce Esposo a saúde, logo a recebia. Confessou também como pedia as enfermidades para sentir um pouco o sofrer da santíssima paixão”. (Vita manoscritta).
Era espirituosa, como astúcia simples, toda toscana. Era similar a São Pio da Pietrelcina no seu amor à cruz que era comovido e simples, não atormentado.
Eis como a Abadessa Cortonessi descreve o seu matrimônio místico, ocorrido durante a cerimônia da velação, isto é, da imposição do véu monástico:
Aproximando-se à hora em que deveria vir Monsenhor, ela retornando ao seus sentidos (porque esteve toda a noite em oração) se colocou em ordem, e se vestiu como as outras que deviam receber tal sacramental do véu. Chegada a igreja em procissão, ela novamente foi arrebatada em espírito, e todas as cerimônias que se faziam, ela as via no céu, como as outras faziam e viam aqui embaixo na terra. Chegando a sua vez de colocar o véu na cabeça, no lugar do Monsenhor ela viu o doce esposo Jesus, o qual com sua mão lhe colocou o véu na cabeça e lhe colocou o anel no dedo, e para que creia ser a verdade, ouvimos ela em seu arrebatamento, quando fala com o esposo acima mencionado, e mais, com a coroa sobre a cabeça, e como um sinal disso, ela não admitiu jamais que a dita coroa se empreste para fora de casa, como se emprestam as outras coisas”.
A fama dos contínuos fenômenos extraordinários de que Verônica era favorecida ( êxtase, arroubos, levitações) tinha atravessado o limite do mosteiro, também porque tais fenômenos tinham sido comprovados e não havia dúvida de sua autenticidade. A gente portanto vinha ver a “irmã santa” quanto isso desagradasse a humildade de Verônica de pode facilmente imaginar.
Quando alguém do povo, que recorria a ela, em sua presença a chamava a “Irmã santa”, ela fazia grande censura e dizia que não a chamassem deste modo porque ela era uma grande pecadora; e quando vendo que se ajoelhavam, ela gritava, dizendo: ‘Levanta-se, ajoelha-te diante a Nossa Senhora, que aqui não há Irmãs Santas’.  Era pois dito comum entre o povo que Cortona tinha dois grandes tesouros, um no céu e outro na terra: o primeiro era a Beata Margarida e o segundo Verônica”. ( Ib., p. 171). 
À força de súplicas, obtém de Deus que “se quisesse favorecer com suas celestes doçuras, não o fizesse em público”, e foi ouvida. Quando depois notou que a sua Abadessa estava escrevendo a sua vida “se indignou santamente e fazendo várias vezes com ela lamentos, mesmo ameaçando-a, em caso que não desistisse de algum castigo do Céu”. (Salvatori, op. cit., pp. 38-39).
A nossa Verônica era uma mulher prática, com pés na terra, que via os problemas e buscava resolve-los; sabia muito bem que para certas coisas Deus podia intervier, mas que outras eram confiadas a nossa diligência e a competência dos homens. No Mosteiro da Santíssima Trindade havia o problema de canalizar a água para as necessidades da cozinha e para tornar viável as cantinas, que eram de terra batida e sempre lamacenta. O trabalho de pavimentação e recuperação custavam 80 scudi e Verôncia só tinha 9 groffetti, isto é, 3 liras. Confiando na Providência e com a permissão da Abadessa, fez iniciar e continuar os trabalhos, não obstante os protestos de algumas co-irmãs que o julgavam inoportuna, dado que à comunidade tinha vindo a faltar até o pão cotidiano. O Senhor premiou a fé e a previdência de Verônica fazendo chegar os valores para os trabalhos e alimento em abundancia para as irmãs. Também o frasco com aqueles 4 paoli e meio ( moedas), que constituíam o único patrimônio de Verônica, se enchia sozinho, permitindo-a pagar ao operário Orazio Rigoni  nos prazos fixados.

Verônica era dotada do carisma de cura e daquele de profecia, mas não se atribuía o mérito, porque não se achava boa para nada. E aqui devemos dizer alguma coisa sobre o famoso poço de São Diego. Verônica era muito devota do santo franciscano canonizado em 1588. Quando as pessoas vinham pedir-lhe suas orações para obterem curas, ela entregava um pouco de água, que tinha abençoado em nome de São Diego, aconselhando recomendar-se a Nossa Senhora e a São Diego. Quando as pessoas voltavam para agradecer-lhe pela graça obtida, dizia: “Agradecei a Nossa Senhora e São Diego que fizeram a graça, que eu não sou boa para nada”. (o.c., p. 37).
Aquele poço de água que curava existe ainda; um afresco do século XVII, isto é, da épica da morte de Verônica e da introdução de sua causa de beatificação, e o testemunhos constante das antigas do mosteiro garantem que se trata verdadeiramente do poço a que Verônica tirava a água milagrosa. Uma atenta restauração poderia devolver o brilho a este local e aumentar a glória desta vossa Cortona, a quem o Senhor fez tantos dons de beleza e santidade.
Como Santa Lutgarda, Verônica jejuava pela conversão e salvação dos pecadores: de 10 de novembro ao Natal e da Epifania à Páscoa fazia suas “Quaresmas” e a abadessa Cortonesi conta que “foram muitos os dias em que não tomava senão a santa Comunhão. Isto se viu muitas vezes. Entre outras, uma vez passando 18 dias sem comer e beber nada senão quando comungava, o que era toda manhã” (Vita manoscritta). Pelos pecadores e em modo particular pela sua Cortona suplicava a misericórdia de Deus com insistentes orações. As monjas do mosteiro da Santíssima Trindade mencionam as suas invocações, quando rezava sem pensar fosse ouvida ou vista: “Senhor, em benefício destas criaturas; Senhor, em benefício destas criaturas... Senhor, estendei o braço de vossa infinita piedade a estas criaturas... Misericórdia, misericórdia...” (F. Salvatori, Vita, p. 110).   A plenitude de sua maternidade espiritual é evidente.
Como Catarina de Sena, Verônica tinha uma tranqüila franqueza em denunciar a falsidade e pecados e em estimular os eclesiásticos em cumprir com seu dever. Disto é testemunha, entre outras, uma carta não datada e sem nome do destinatário, mas que sabemos ser endereçada a um sacerdote: “.. . e ainda quero rogar que recorde das muitas obrigações sua Senhoria tem com a Santa Igreja, para que venha satisfazê-las com ela e com a sua consciência, em não andar fatigando os outros para outra vida, para isso que Deus lhe conceda a sua santa graça”.
A velhice de Verônica foi atormentada por graves e freqüentes enfermidades. Quer dar tudo a seu Senhor, até o último. Lemos na Vida de Salvatore que mesmo quando mal se podia mover na cela, rogava de alguma irmã caridosa  dar-lhe o braço para levá-la ao coro ou as exercícios comuns. Sobretudo neste período de lenta decadência, Verônica dá a prova mais evidente da sua santidade, vivendo as enfermidades em atitude de oferta. Leva as enfermidades e as humilhações da velhice com humor e uma alegria toda cisterciense, na obediência e buscando dar o mínimo fastígio as suas irmãs. Aos 81 anos, Verônica adoece gravemente e desejando ser dissolvida para estar com Cristo, pensa em rezar para que Deus não a cure, mas a tome consigo. Antes quer se assegurar de ter a permissão de sua Abadessa, que o nega; pede então ao Senhor a saúde e poucos dias depois fica curada. Durante a última enfermidade, que durou catorze meses, a sua paciência, a sua jovialidade e a sua adesão a vontade de Deus deram admiração as outras monjas, outrora muito relutantes em reconhecer a obra de Deus nos seus ‘excessos’ místicos.
“Eu sei que a dita irmã Verônica suportou pacientemente todas as enfermidades, adversidades e injúrias, e em todas as coisas foi conforme a divina vontade; e isto sei por ter praticado e observado suas ações, e em particular por ter sido duas vezes enfermeira a duas grandes enfermidade que ela teve e que ela suportou com grandíssima paciência, e estava risonha sem jamais  se afligir e na boca tinha sempre Jesus noite e dia continuamente, de fato até a sua morte, e quando as monjas lhe perguntavam como ela estava, respondia sempre: Como Jesus quer”.
Eu sei por certa ciência, que sendo divulgada a fama de sua incomparável bondade e prudência, concorriam as pessoas para pedir desse o seu bom e santo conselho, e eram pessoas de todos estados, graus, e condições, de tal maneira que, estando muito envelhecida e enferma, para satisfazer e obedecer a quem pode ordenar-lhe, se fazia conduzir com peso ao parlatório e que ouvia as petições das pessoas, que pediam direção, conselho e auxílio, e ela admiravelmente lhe conduzia na boa estrada do Senhor, em suas necessidades e aflições”.
“Eu sei, que Deus Nosso Senhor por intercessão daquela Serva de Deus Verônica Laparelli, enquanto ela vivia, fez muitos milagres, e a muitos por meio dela restitui a saúde; e isto sei por que a dita Irmã Verônica fez fazerem um quadro de Nossa Senhora, e São Diego,  que está aqui em nossa igreja, e fez  daquelas em que se podem colocar esmolas, e todos os aqueles que recorriam a ela em suas necessidades e enfermidades, ela os conduzia Nossa Senhora e a São Diego”. A propósito deste quadro pintado pelo florentino Baccio Bonetti, há um episódio graciosíssimo, que testemunha o espírito de profecia, e ao mesmo tempo, a indulgência da velha Irmã Verônica. O pintor, com pouco dinheiro, foi até ela para pedir-lhe uma antecipação e foi interrogado se no dia precedente tinha trabalhado no quadro e que coisa tinha pintado. O pintor respondeu que tinha pintado a cabeça de São Bartolomeu. “Falso – replicou Verônica – antes passastes todo o dia jogando, sem nem mesmo dar uma pincelada no quadro”. Apesar disso, deu ao pintor o valor pedido, exortando-o a abandonar o jogo de azar.” (Salvatori, pp. 144-145).  
Verônica morre placidamente, sem agonia, em 03 de março de 1620. A fama de santidade de que gozava aumentou após a morte. A causa de beatificação se iniciou em 1629 e em 1774 foi proclamado o decreto sobre a heroicidade das virtudes. Infelizmente, os acontecimentos históricos e ausência de pessoas competentes para levar adiante a causa até agora lhe impediram a conclusão. É um verdadeiro pecado, porque esta belíssima figura de mulher e de monja merece sem dúvida ser proposta como modelo ao povo cristão e como intercessora junto a Deus.
Alcançar isto depende também de vós, que deveis conservar e estender a memória da sua santidade, rezai a ela em vossas necessidade, se é esta a vontade de Deus, obtende favores que permitiram o avanço da causa e um juízo favorável por parte da Igreja.

Cortona, 8 de março de 2009

Ir. Augusta Tescari O.C.S.O.  

Beata Maria Gabriela Sagheddu


Virgem OCSO  -  22 de Abril
(Ad Commune Virginum)



Nascida em Dorgali, na província de Nuoro, Sardenha, no dia 17 de março de 1914. Aos vinte anos entrou entre as monjas Cistercienses da Estrita Observância no mosteiro de Grottaferrata; essa comunidade foi transferida mais tarde para Vitorchiano, em província de Viterbo. Num gesto simples e generoso, Maria Gabriela doou sua vida para a unidade dos Cristãos. Este generoso holocausto consumou-se no dia 23 de abril de 1939, Domingo do Bom Pastor. Foi proclamada beata aos 25 de janeiro de 1983 pelo Papa João Paulo II.



                                       Dia do seu falecimento
                                                                23 de abril de 1939



 Beata  Maria Gabriela da Unidade 
Declarada   por João Paulo II






Beata Elisabeth de Hoven





Santa Lutgardis

Santa Edwirges

Santas Sanchas, Mafalda e Teresa

Santa Alice ou Aleyde


Santa Melctildes

Santa Gertrudes de Helfta

Santa Beatriz de Nazareth

Santa Beatriz de Nazaré





“Às vezes (a alma) tem outro modo de amor,
Em que empreende a tarefa de servir
A Nosso Senhor de maneira totalmente gratuita
Só com amor, sem um porquê.”[1]


Síntese biográfica


 Beatriz de Nazaré, monja cisterciense cuja vida conhecemos por um capelão do mosteiro de Nazaré, no século XIII, que escreveu em latim a vida da priora Beatriz.
Ele não chegou a conhecê-la, mas para esta biografia, se serviu de seus escritos em holandês que ela mesma escreveu: o Livro da vida, que era um diário seu e recolhe os 20 anos anteriores a sua estrada no mosteiro de Nazaré; são notas que escreveu sendo já priora e seu tratado místico chamado “os sete modos de Amor”. Até nós chegou somente seu tratado. O anônimo capelão se serviu também para escrever a biografia dos dados comunicados pelas monjas que a conheceram, fundamentalmente das recordações da irmã de Beatriz, Cristina, a qual lhe sucedeu como priora.
Beatriz nasceu ao redor do ano 1200 em Tirlemont (Thienen), a uns vinte quilômetros de Louvaine, na diocese de Liége.[2]
Deve ter sido a sexta filha proveniente de uma família burguesa. Sua mãe, Gertrudes, se caracterizou por sua irrepreensível piedade e caridade; seu pai, Bartolomeu, ao morrer sua mulher, acompanhou suas filhas Beatriz, Cristina e Sibila aos mosteiros que ele mesmo ajudou a fundar. Um irmão de Beatriz, como irmão converso, seguiu as observâncias cistercienses e outros dois ingressaram em ordens religiosas.






[1] Beatriz de Nazaret, Los siete modos de amor. II modo, Barcelona 1999, p. 287.
[2] N.do T. Atualmente na Bélgica.


Ao princípio, a mãe de Beatriz a instruiu pessoalmente, e Beatriz demonstrou sua capacidade para o estudo e a aprendizagem, pois já com cinco anos era capaz de recitar integralmente o saltério de Davi. Aos sete anos, ao morrer sua mãe, seu pai a envia a escola das beguinas de Leau[1] para que estas lhe ensinassem as virtudes e ao mesmo tempo freqüentava uma escola mista da mesma cidade de Zoutleeuw, onde aprendeu as artes liberais. Permaneceu nela um ano, mas não chegou a acabar os estudos de artes liberais que compreendiam gramática, retórica e dialética.
Aos dez anos ingressa como oblata no mosteiro de Bloemendaal ou Florival, que havia passado a ser cisterciense em torno do ano 1210 e onde seu pai era o administrador. Ali continuou o Trivium y el quadrivium que consistia em música, aritmética, geometria e astronomia.
Aos quinze anos, inicia seu noviciado em Florival e um ano mais tarde professou. Pouco depois de professar foi enviada ao mosteiro cisterciense de la Ramée onde aprendeu a arte da caligrafia e das iluminuras.  Neste mosteiro conheceu Ida de Nivelles, mais velha que ela e com quem esteve unida por grande amizade. Ida estava muito avançada em temas místicos e espirituais. Em janeiro de 1217, sendo condutora Ida, Beatriz teve sua primeira experiência mística. Logo depois, regressou a Florival e todas as irmãs comprovaram seu grande progresso espiritual.
Neste período o pai de Beatriz ingressa como leigo em Bloemendaal e seu irmão Wickbert ingressa também como converso; suas irmãs Cristina e Sibila entraram na mesma comunidade em 1215. Quando Bloemendaal funda Maagdendaal, perto de Tienen, o pai de Beatriz e os irmãos desta são enviados para aí em 1221. Neste mosteiro Beatriz realiza sua profissão solene e é consagrada virgem pelo Bispo.
Em 1235, Maagdendaal decide fazer a fundação de Nazaré. Em 1236, se translada a este novo mosteiro e exerce a função de mestra de noviças durante dois anos; mais tarde, é eleita como priora. Até o fim de sua vida escreve seu célebre tratado “Seven Manieren van Minne” (Os sete modos de Amor). Em1267, fica gravemente enferma e em 29 de agosto de 1268 “regressou ao Pai”[2].
Ao ler sua vida e escritos, cada um “fica comovido pela perspicácia de sua mente, a profundidade e o ternura de seu coração, a impetuosidade de seu desejo, não somente de estar com Deus, senão em converter-se no que Deus quisera que fosse. O dinamismo de toda sua vida não se desenvolve ao redor do eu-e-Deus, senão do Deus-e-eu. Deus foi e permaneceu sua fonte e sua mete, e quando faleceu encerrou-se o círculo inteiro” [3]
História de uma alma: Vida e doutrina espiritual de Beatriz




[1] As beguinas eram uma associação de mulheres cristãs, contemplativas e ativas, que dedicaram sua vida, tanto na defesa dos desamparados, enfermos, mulheres, crianças e anciãos, como em um brilhante labor intelectual. Organizavam a ajuda aos pobres e aos enfermos nos hospitais, ou aos leprosos. Trabalhavam para se manter e eram livres de deixar a associação a qualquer momento para se casar.
[2] Jo 13,1.
[3] R. De ganck, Currículum Vitae de Beatriz, Cistecium 219 (2000) 417-418.


O relato da vida de Beatriz é mais uma radiografia espiritual que a simples constatação de fatos externos. Entretanto, o sacerdote biógrafo não crê ter muita perícia neste gênero, isto é, na “vida dos santos”, e assim aponta em seu prólogo: “ Apesar de ter lido distintos triunfos de santos, descritos em narração histórica por outros, todavia não alcancei o uso da necessária eloqüência...”.
“Não te assombres, ó leitor! Talvez, no avançar da narração, te encontres com algo que não venha ao caso e percebas que estou obrigado ao esforço de escrever, somente pelo preceito da caridade... Se alguém me desafia para que dê fé sobre os fatos que vou narrar, ou se algum curioso me solicite um testemunho de autenticidade, justamente respondo com toda simplicidade que sou somente o tradutor dessa obra e não o autor[1].”
 O capelão de confessor de Nazaré quer demonstrar a santidade de Beatriz.
“Podemos nos aproximar dela tentando ao menos descobri-la em quatro aspectos fundamentais de sua vida: em primeiro lugar, a adequação de Beatriz ao contexto da espiritualidade da primeira metade do século XIII e as novas formas de espiritualidade feminina; em segundo, sua amizade com Ida de Nivelles e o caminho mistagógico que ela a introduz; em terceiro, suas experiências visionárias; e finalmente, sua mística do amor”[2].

Beatriz foi monja cisterciense que vivia a espiritualidade de Cister e as formas que esta adquire no Norte da Europa; entretanto, foi uma monja extraordinariamente mortificada, as penitências constituem uma ruptura com o marco psíquico e o ambiente de um convento cisterciense, por mais que seu marco fosse estritamente ascético. Tais penitências têm como motivação a consciência do pecado, isto é, de ser absolutamente incapaz de se unir a Deus, o Ser perfeitamente bom, por suas próprias forças.
O desejo é o motor desta atitude é fervente, urgente... “A mística sente a atração de Deus, e daqui uma aspiração veemente a seguir a Cristo e estar unida a Deus, uma tensão quase insustentável da vontade, trata-se de mortificações ou de uma aplicação escrupulosa a se impor exercícios de piedade ou imitar as virtudes de outras religiosas”[3]
Este desejo tão intenso que se expressa nestes termos entre outros: languidez frenética, delírio, paixão paralisante, inundação, furação, ebulição. E, com estas emoções, seu espírito conclui sendo mais puro e mais forte.
Beatriz exagerou suas penitências e nisso comprovamos o grande amor que a arrastava a se identificar com o Amado de sua alma. Chegava à flagelação dos pés e do peito com espinhos, utilizava cilícios de corda cheios de nós que cobria todo seu corpo, na capa espalhava folhas ponte agudas ou dormia sobre o chão e, às vezes, como almofada usava uma pedra.




[1] Vida de Beatriz de Nazaret. Prólogo 2-4, Cistercium 219 (2000) 473-474.
[2] V. Cirlot, b. garí, La mirada interior. Escritoras místicas y visionarias en la Edad Media, Barcelona 1999, p. 113-114.
[3] Georgette epiney-burgard, emilie zum brunn, Mujeres trovadoras de Dios. Una tradición silenciada de la Europa medieval, Barcelona 1998, p. 106-107.

Busca descobrir o desígnio de Deus e, portanto luta para chegar ao conhecimento de si, onde advertimos a influência de São Bernardo e de Guilherme de Saint-Thierry.
Ela, sabe que a natureza humana está ferida pelo pecado, mas ao mesmo tempo, descobre todos os dons de que foi coberta sua alma, criada a imagem e semelhança de Deus, e portanto, se dedica a reparar os efeitos do pecado em si mesma e retornar a pureza original em que a alma foi criada.
Depois deste período, chega a um estado de grande secura e de provas passivas durante uns três anos. “Estas provas se prolongarão ao largo da vida de Beatriz. Entretanto, há uma mudança importante e inclusive capital em sua vida espiritual. Já em uma etapa anterior havia pressentido que presumia de suas próprias forças e que devia deixar que Deus agisse nela”[1]
Em sua vida espiritual, Beatriz se ocupou do estudo da Santíssima Trindade e para isso manejava cópias de livros sobre este tema, e isso nos mostra “a acessibilidade nos mosteiros cistercienses de obras de conteúdo teológico e recorda ao mesmo tempo o útil ofício de copista aprendido em la Ramée”[2]
O meditar a Paixão e o Mistério da Trindade, a leva a aceitar tudo aquilo que o Senhor lhe pede, despojando-se de sua própria vontade. Existem duas visões trinitárias que a guiam até este despojamento de si mesma e a aderir à vontade divina. Em torno do ano 1232 vê a Deus como fonte de um grande rio do qual fluem outros rios e riachos; o grande rio é o Filho de Deus, Jesus, os outros rios são os estigmas de Cristo e riachos, os dons do Espírito Santo.
“Compreende então os juízos de Deus, a processão das Pessoas no seio da Trindade e da essência divina. Há nela uma profunda comoção interior e toma consciência das dimensões universais da caridade: ali onde buscava a perfeição mediante a ascese e os exercícios de piedade, percebe que fazer a vontade de Deus é se ocupar do próximo, tanto mediante cuidados materiais como espirituais.”[3]
No final, a união transformadora que faz com que sua vontade se identifique e se conforme a vontade de Deus e descobre a paz interior. Se cria um equilíbrio entre o espírito em paz e corpo sofredor, equilíbrio já existente e percebido pelos cistercienses do século XII, especialmente Guilherme de Saint-Thierry em sua obra: “Da natureza e da dignidade do amor”.
Começa a chamada vida pública de Beatriz, dedicando-se a caridade dirigida tanto a suas irmãs de comunidade como a todo tipo de pessoas. Também vão vê-la as almas atormentadas e pecadores com quem Beatriz utiliza a oração para que sejam libertados do pecado.
Em Beatriz se centram, sua inteligência intuitiva que a permite penetrar em parte ao conhecimento dos Mistérios de Deus e o amor fruitivo que experimenta, assimila os dons recebidos; e toda esta experiência conduz a caridade ativa.
Outro aspecto de Beatriz são suas visões, a liturgia meditada se transforma em experiência, todas as visões de Beatriz vão unidas a liturgia.
No elemento visual, as imagens são muito estereotipadas, mas sente-se a presença de Deus que passa por seu corpo, que a enche com o fogo de Seu Amor, sente atrair seu coração e a enche com o Sangue de suas Chagas. O gosto como sentido espiritual lhe faz “sentir” a doçura do amor divino. Também o elemento auditivo é importante, pois escuta a Deus que lhe fala.
Ida de Nivelles, conselheira e diretora espiritual de Beatriz e quem a introduz no mundo da mística e das visões. A primeira visão ocorreu quando Beatriz, após uns meses ao lado da mestra Ida, lhe pediu que rogasse a Deus que lhe concedesse especiais graças. Ida, então, lhe disse que se preparasse para o dia da Natividade do Senhor, entretanto, não foi até os primeiro dias de janeiro quando Beatriz tem sua primeira experiência mística, enquanto está no coro cantando as Completas. Sentada durante a salmodia viu-se arrebatada em êxtase mas não corporalmente senão intelectualmente e viu com os olhos da mente a Santíssima Trindade.
No segundo livro de sua Vida, aumentam estas experiências que vão se centrando na união mística; a mais significativa foi a ocorrida em Maagdendaal no ano 1232, onde Beatriz vê o Senhor que aproxima dela e atravessa sua alma com uma lança ardente. Existe o simbolismo entre a lança que penetrou o Lado de Cristo em sua Paixão, a lança que penetra a alma de Beatriz e que lhe anuncia a união amorosa com o Amado, esposa eleita dos Cânticos.
No terceiro livro da Vida aparecem mais visões mas com um conteúdo mais didático e talvez mais elaborado pelo escriba e isto se deve e quando o capelão de Nazaré se ocupa da etapa da vida de Beatriz quando já é priora, não tem um diário onde se apoiar para narrar suas experiências místicas  e se baseia em notas tardias e informações das monjas.
“Em Nazaré, onde por mais de trinta anos servira a comunidade como mestra de noviças e segunda superiora, desde o mês de julho de 1231 até 1268, ano de sua morte, lhe foi concedido o tempo de amar. Aqui Beatriz repensará toda sua vida. Poderá expressar, de maneira magistral, sua própria síntese, regalando-nos esse admirável canto lírico de amor místico, como belamente o definiu o Padre Mikkers seu pequeno tratado das sete maneiras do santo amor de Deus.
Morre em 29 de agosto de 1268 e foi sepultada no claustro, entre o capítulo e a Igreja; o que então indicava a beatificação.[4]


Os sete modos de Amor

 Um tratado místico, escrito em prosa lírica em holandês em torno de 1250, é a única obra original que possuímos de Beatriz. Nesse tratado se descreve a ascensão da alma, pelo amor,à união com Deus.
Os sete modos de Amor, como é chamado este tratado, é o compêndio da vida de Beatriz. Ela lê toda sua vida à luz do amor de Deus e a reconhece nesta palavra, minne[5]. Minne leva em si, a realidade divina, e a experiência humana. “O amor de Deus – de quem Beatriz fala – é seu amor por Deus, no qual, paradoxalmente, Deus mesmo se dá a conhecer. Fazer isto evidente sete vezes é sua finalidade e sua tarefa”[6].
Observamos nesta obra a convergência de duas correntes espirituais: a mística da união com Deus manifesto (Verbo Encarnado) e a mística do Ser. “O amor é nela tensão do desejo, sede de estar unida a Deus sem que, entretanto, seja explicitamente busca da superação de todo o criado, que implicaria retorno a seu ser original no seio do abismo divino. Para Beatriz, como por outra parte, para as beguinas contemporâneas, não existe contradição entre a adoração da Trindade, a união com Cristo Esposo, e esta tendência a superação”[7]
Primeiro modo: Comunica-nos a vivência da pureza, nobreza e liberdade da alma criada a imagem e semelhança de Deus, onde aparece o ardente desejo de amar e seguir ao Senhor, desejo total de vida com Cristo. Para isso é necessário o autoconhecimento de si mesma e de seu coração, autoconhecimento que está em perfeita concordância com a idéia da origem cisterciense, da concentração da espiritualidade do coração, seja de Cristo, seja dos homens.
É neste autoconhecimento onde Beatriz pode chegar a se assemelhar ao amor, pois “examina o que ela é, o que ela deve ser, o que tem, o que falta a seu desejo”[8]. Só o amor conduz a alma à nobreza que Deus lhe oferece, porque só o amor nos motiva para caminhar até a plenitude da semelhança.
Segundo modo: Sobre “o amor sem porque”, isto é, sobre a gratuidade do amor. Beatriz utiliza a linguagem do “amor cortês”, explicando-nos que a dama quer servir seu senhor tendo como única recompensa, devolver amor ao Amor, amando-o sem medida, tal e como vemos em São Bernardo de Claraval, em seu tratado “De diligendo Deo”.
Aqui, se encontram sete vezes os termos servir e serviço, é imagem do amor que se perde totalmente a si mesmo para o Amado e nos oferece o retrato da verdadeira humanidade revelada pelo Evangelho: “O abandono na fé se faz serviço no mais íntimo ser do homem”[9].
Terceiro modo: Se refere ao sofrimento que provoca a alma o não poder servir a Seu Senhor, já perfeitamente, pois isto supera a capacidade humana. A exigência da totalidade no amor se torna obsessiva e é por essa razão que aparece a dor de não poder servir o amor segundo as exigências ilimitadas do verdadeiro amor.
Segundo A. M. Haas: “Em apenas duas frases, o tema da necessário morte em vida e da experiência mística do exílio, isto é, do inferno, aparece aqui perfeitamente formulado[10]
Quarto modo: Neste modo é Deus quem toma a iniciativa, é uma experiência mística passiva onde a alma fica totalmente conquistada por Deus, até que não é mais que amor. “Ser amor” traduz a plenitude da imagem-semelhança; a plenitude da semelhança no amor é plenitude de pertença.
Quinto modo: É o reverso do quarto modo. Constitui a tormenta ou fúria do amor que afeta o corpo e a alma. O amor fere o coração lhe atravessando com uma flecha. A doçura do amor provoca na alma um ardente desejo de devolver amor por amor. A impotência para satisfazer o amor suscita em Beatriz grandes males. Esta “ira de amor” (orewoet) indica as dores que já pré-anuncia a experiência das grandes delícias.
Sexto modo: O amor se converte em dono de sua pessoa e isto mesmo a torna livre de si mesma. A liberdade é fruto do amor sobre seus obstáculos interiores, liberdade que a conduz a um domínio sobre sua vontade que faz que o exercício da caridade já não lhe custe.
Vida de céu já iniciada nesta terra que Beatriz pede para todos nós e que São Bento também promete a todo aquele que subiu os graus da humildade: “Tendo, por conseguinte, subido todos esses degraus da humildade, o monge atingirá logo, aquela caridade de Deus, que, quando perfeita, afasta o temor; por meio dela tudo o que observava antes não sem medo começará a realizar sem nenhum labor, como que naturalmente, pelo costume, não mais por temor do inferno, mas por amor de Cristo, pelo próprio costume bom e pela deleitação das virtudes.Eis o que, no seu operário, já purificado dos vícios e pecados, se dignará o Senhor manifestar por meio do Espírito Santo.” (R.B. 7, 67-70)[11].
Sétimo modo: É o “Amor sublime”; constitui a experiência de Deus que se expressa acima do humano e do tempo. É um desejo ardente, anelo, uma ânsia de viver com Cristo. A alma deseja ser liberada deste exílio, pois não achará consolo senão no país onde repousa o Amor, não achará repouso senão n´Ele, o Esposo.
Depois de tanto buscar o Amor, será recebida pelo Bem-Amado e já não será mais “que um só espírito com Ele”[12]. A última palavra é uma só: o amor, a minne.
Nos sete modos de Amor se contempla uma hierarquia entre os diferentes graus da experiência do amor, ainda que psicologicamente possam dar-se mesclados, sem distinção entre eles. Mas para o biógrafo de Beatriz, os sete modos de Amor são a manifestação, a expressão da vida de Beatriz que realiza em sinais externos  a experiência mística, pois para ele, a santificação feminina no e através do corpo da mulher.

Autora: Hna. Marina Medina / Monasterio Cisterciense de la Santa Cruz – Espanha. Em: http://caminocisterciense.blogspot.com.br/2011/03/beatriz-de-nazaret.html


Tradução para a Abadia das Monjas Cistercienses de Campo Grande, MS:
 José Eduardo Câmara de Barros Carne




[1] Georgette epiney-burgard, emilie zum brunn, Mujeres trovadoras de Dios. Una tradición silenciada de la Europa medieval, Barcelona 1998, p. 109.
[2] V. Cirlot, b. garí, La Mirada interior. Escritoras místicas y visionarias en la Edad Media, Barcelona 1999, p. 118-119.
[3] Georgette epiney-burgard, emilie zum brunn, Mujeres trovadoras de Dios. Una tradición silenciada de la Europa medieval, Barcelona 1998, p. 110.
[4]  Liliana Schiano Moriello, Beatriz de Nazaret (1200-1268). Su persona, su obra, Cistercium 219 (2000) 440-441.
[5] Minne (femenino), é originariamente o pensamento ( vivo em alguém) da pessoa amada.
[6] Liliana Schiano Moriello, Beatriz de Nazaret (1200-1268). Su persona, su obra, Cistercium 219 (2000) 442.
[7] Georgette epiney-burgard, emilie zum brunn, Mujeres trovadoras de Dios. Una tradición silenciada de la Europa medieval, Barcelona 1998, p. 119.
[8] V. Cirlot, b. garí, La Mirada interior. Escritoras místicas y visionarias en la Edad Media, Barcelona 1999, p. 286.
[9] Liliana Schiano Moriello, Beatriz de Nazaret (1200-1268). Su persona, su obra, Cistercium 219 (2000), p. 636.
[10] V. Cirlot, b. garí, La Mirada interior. Escritoras místicas y visionarias en la Edad Media, Barcelona 1999, p. 128.
[11] N.do T. Tradução da Regra de São Bento de Dom João Evangelista Enout, OSB. Em: http://www.osb.org.br/regra.html
[12] 1 Cor 6, 17.